A garantia é deixada em entrevista ao “Diário do Sul” pelo diretor do Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja, José António Falcão.
Roberto Dores
17 Novembro 2015 | Fuente: Redacção D.S.
E é aqui que está a nossa real importância e interesse neste itinerário?
Nós somos muito importantes em duas vertentes. Em primeiro lugar, aquilo que se chama Caminho português, pela ligação que tem com a Extremadura e Andaluzia, sendo as zonas que nos ficam contíguas. Depois porque tradicionalmente existe um Caminho de Santiago marítimo, no qual nós participamos e que está também ele a ser revigorado.
E já se nota esse efeito?
Hoje começam a chegar à nossa costa, sobretudo, pequenas embarcações que participam no Caminho de Santiago, dando uma maior dimensão do que está em causa.
Mas como é que a região pode ou deverá tirar partido deste potencial?
O dinamismo que isto gera é a grande questão, podendo ser um mecanismos muito importante para a revitalização dos territórios de baixa densidade, como é o caso do Baixo Alentejo e de outros pontos do interior do país, na medida em que a passagem dos peregrinos trás uma vida nova, um sinal de esperança e ajuda as economias locais.
Como se fosse um outro turismo?
Os peregrinos, por onde andam, dormem, comem, adquirem produtos regionais, visitam monumentos. E isso obriga a ter os centros históricos e os equipamentos culturais em bom estado.
E é preciso sensibilizar agentes locais e população para este potencial…
Diria que está a aqui um incentivo para que sejam recuperados os centros históricos, tendo isto um grande impacto no que diz respeito ao mundo rural, mas também aos centros históricos que precisam, cada vez mais, de uma maneira de lutar contra a sua terciarização. Ou seja, as pessoas já não vivem lá, existindo apenas serviços, hotelaria ou restauração. Mas é tudo muito artificial e também aqui os caminhos de Santiago podem ser uma ajuda ao dinamismo do Alentejo, com a passagem dos peregrinos a ajudar na procura desta autenticidade que nós precisamos.
O que sucedeu ao longo dos tempos ao Caminho de Santiago no Alentejo?
Terá sido fundado ainda numa época anterior ao início da nacionalidade. É um fenómeno muito antigo que depois ganhou nova vida após a reconquista, quando estes territórios voltam a integrar a realidade cristã e acabam por sofrer uma crise muito significativa depois da independência portuguesa. Em 1640, quando Portugal se separa de Espanha, o Caminho acaba por ser considerado uma coisa espanhola, levando a que se tenha substituído a devoção e peregrinação a Santiago por outras devoções nacionais.
Como por exemplo?
O caso mais conhecido é o Santuário de Nossa Senhora da Conceição, em Vila Viçosa. Portugal não proíbe o Caminho de Santiago, mas também não o favorece e não o incentiva. Contudo, ele continua a existir e a ser muito procurado até na época das invasões napoleónicas. Aqui houve uma dificuldade jurídica, porque passa a ser proibido peregrinar, já que era difícil distinguir entre peregrinos e espiões.
E depois dessa limitação que marcou a época em que Portugal esteve sob domínio francês?
Depois as coisas foram avançando e já nos finais do século XX o Caminho no Alentejo volta a estar na moda. É um fenómeno global, que tem vindo a ganhar a expressão e todos os anos aumenta. Não é um aumento de centenas de milhares, mas há um número significativo de peregrinos a passar por aqui, o que tem muito que ver com o facto do Caminho de Santiago se ajustar muito bem ao que é a cultura da pós-modernidade em que nós nos inserimos.
Aqui entra o gosto pela natureza, cultura, património.
Sim. E também a procura de uma espiritualidade. Há de tudo um pouco nesta dinâmica e isso é muito característico. Estamos numa fase em que o Caminho não apenas um fenómeno europeu, uma vez que até já nos chegam peregrinos vindo do Japão, Estados Unidos e Brasil.